A ingestão de cálcio na dieta é necessária ou prejudicial para peixes e camarões? 

Introdução

O cálcio (Ca) é um macro-mineral essencial envolvido em muitos processos fisiológicos, incluindo mineralização esquelética e exoesquelética, contração muscular, transmissão nervosa, osmorregulação e coagulação. Embora a falta de Ca possa ter efeitos prejudiciais no desempenho de peixes e camarões, a suplementação na ração não é, na maioria das vezes, necessária, pois este pode ser absorvido diretamente da água. Pelo contrário, um excesso de Ca na ração pode afetar a absorção de outros nutrientes e minerais, incluindo o fósforo (P).

As funções do cálcio

Mineralização óssea

Tal como nos animais terrestres, o Ca é o macro-mineral mais presente no corpo dos peixes, com níveis que variam entre 1,5 e 4% do peso seco e 0,05 e 0,2% do peso fresco, dependendo da espécie e do estágio de desenvolvimento (Lall et al., 2002; NRC, 2011). O Ca é armazenado principalmente nos ossos, como nos vertebrados terrestres, mas também nas escamas, que são ricas em Ca. Elas podem servir como um estoque de Ca que pode ser mobilizado durante períodos de aumento das necessidades de Ca, como a maturação sexual ou períodos de jejum (Persson et al., 1998). A tilápia e o esturjão têm escamas espessas e altamente calcificadas, aumentando assim os níveis de Ca para cerca de 3,5% do peso seco na tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus), em comparação com 2,5% no salmão do Atlântico (Salmo salar). Nos ossos, o Ca, juntamente com o P, é primeiro depositado como fosfato tricálcico (Ca3(PO4)2) antes da cristalização em hidroxiapatita (Ca10(PO4)6(OH)2) e integração na matriz orgânica (Figura 1). Como componente essencial dos ossos, juntamente com o P, o Ca desempenha um papel crucial na formação e manutenção óssea. No entanto, nenhum estudo mostra claramente a importância do Ca na formação óssea em peixes, em contraste com a deficiência de P (Drábiková et al., 2021), porque é difícil induzir a deficiência de Ca, devido à absorção de Ca da água.

Figura 1. Cristais de hidroxiapatita

Exoesqueleto e muda

Os artrópodes, como os camarões, não possuem um esqueleto interno como os vertebrados, mas sim um esqueleto externo chamado exoesqueleto ou cutícula. A medida que crescem, os camarões precisam se livrar desse exoesqueleto rígido, que não pode se expandir e impede o seu crescimento, antes de formar um novo. Esse processo fisiológico cíclico, chamado de muda ou ecdise, depende da disponibilidade de Ca. De fato, o exoesqueleto dos artrópodes é composto por uma matriz orgânica de quitina (20 a 30% do peso seco) e proteínas, bem como minerais, incluindo Mg e, especialmente, carbonato de cálcio (CaCO3), que representa 20 a 30% do peso seco do exoesqueleto (Brannon et al., 1979; Stevenson et al., 1985) (Figura 2). O CaCO3 é depositado na matriz orgânica e contribui para o seu espessamento e resistência. Durante a muda, parte do Ca do exoesqueleto antigo é mobilizado e armazenado na hemolinfa e no hepatopâncreas, reduzindo a sua rigidez e facilitando a exuviação e a remoção. Em seguida, a nova cutícula, que é então flexível e vulnerável, absorve rapidamente o Ca para permitir a calcificação e endurecê-la (Stevenson et al., 1985). Estima-se que cerca de 38% dos nutrientes da cutícula antiga sejam reciclados (Lemos et al., 2021). Além disso, muitas espécies comem a cutícula antiga, porém a digestibilidade de seus minerais é desconhecida (Zanotto & Wheatly, 2002). A muda do camarão é fundamental para protegê-lo de predadores, patógenos e lesões. Assim, uma deficiência de Ca pode afetar a muda do camarão, impactando seu desempenho de crescimento e vulnerabilidade.

Figura 2. Fibras de proteína de quitina

Ingestão e necessidade de cálcio para espécies aquáticas

Absorção de cálcio em peixes e camarões

O Ca é um mineral altamente presente na água do mar e, em menor grau, na água doce. O Ca pode ser absorvido pelo trato gastrointestinal, bem como pelas guelras (Flik & Verbost, 1993). Parece também que o Ca pode ser absorvido diretamente pela pele (Marshall et al. 1992). No entanto, as guelras continuam a ser o principal órgão de absorção de Ca nos peixes (Flik et al., 1995), uma vez que a superfície de absorção é 10 a 60 vezes maior nas guelras do que na pele (Parry, 1966). Embora o trato gastrointestinal tenha um papel menos importante na absorção de Ca, ele ainda pode contribuir significativamente durante períodos de aumento das necessidades de Ca (maturação das gónadas, formação de ovos) e crescimento rápido (Flik et al., 1993) ou em água com falta de Ca (Robinson et al., 1986). Além disso, outros parâmetros da água afetam a absorção de Ca pelas guelras. De fato, a absorção de Ca da água depende da salinidade, como observado em larvas de dourada (Sparus aurata), que apresentaram um aumento na absorção de Ca com o aumento da salinidade (Guerreiro et al., 2004).

No camarão-branco (Litopenaeus vannamei), a Phosphea conseguiu observar resultados semelhantes num estudo em colaboração com a Universidade de São Paulo (Coelho et al., 2024). De fato, os valores de digestibilidade do Ca obtidos foram negativos, demonstrando que o Ca é absorvido principalmente da água e não da ração (Figura 3).

O uso de fosfatos de cálcio, como o fosfato monocálcico (MCP), pode apenas reduzir a absorção de Ca da água em comparação com fosfatos não cálcicos, como o fosfato monossódico (MSP), o fosfato monoamônico (MAP) ou o fosfato de magnésio (MgP) (Coelho et al., 2024).

Figura 3. Digestibilidade do cálcio no camarão-branco

Necessidades alimentares de cálcio

Como os peixes podem absorver cálcio da água, a ingestão de cálcio na dieta geralmente não é necessária. Estudos mostram que peixes de água doce alimentados com dietas deficientes em cálcio crescem normalmente se a água contiver cálcio suficiente (Hwang et al., 1996). No entanto, se a água for deficiente em cálcio, o crescimento dos peixes pode ser atrofiado (Rodgers 1984). No entanto, observou-se que o cálcio na dieta pode ser essencial para algumas espécies de água doce, como a carpa herbívora (Ctenopharyngodon idella), o peixe-gato prateado (Rhamdia quelen) ou a tilápia do Nilo. Nesta última, assim como na truta-das-fontes (Salvelinus fontinalis), observou-se que a absorção de cálcio na dieta varia de acordo com as concentrações de cálcio na água. Quanto mais rica em cálcio for a água, menos o cálcio na dieta contribui para satisfazer as necessidades dos peixes (Phillips, 1959; Vonck et al., 1998).

Como a água do mar contém mais Ca, considera-se que as espécies marinhas não têm necessidade de Ca na dieta. No entanto, existem estudos que demonstram que a suplementação de Ca na dieta é necessária para certas espécies, como o baiacu-tigre (Takifugu rubripes) (Hossain & Furuichi, 1998). Tal como os peixes, o camarão-branco e o camarão-tigre-gigante (Penaeus monodon) não têm quaisquer necessidades alimentares específicas (Peñaflorida et al., 1999; Davis et al., 1993). No estudo da Phosphea (Coelho et al., 2024), a análise da composição do exoesqueleto mostra que o uso de fosfatos não cálcicos não tem efeito sobre a mineralização do Ca na cutícula em comparação com o MCP. Isso demonstra que fosfatos não cálcicos, como MSP ou MAP, podem ser usados sem efeito prejudicial sobre os níveis de Ca no exoesqueleto do camarão (Figura 4).

Figura 4. Níveis de cálcio no exoesqueleto do camarão 

Efeitos do excesso de cálcio

Pelo contrário, a ingestão de Ca pode até ter efeitos prejudiciais no crescimento de camarões e peixes. De fato, tal como na pecuária terrestre, o Ca afeta a digestibilidade de outros nutrientes, incluindo outros minerais, como P, magnésio (Mg) e zinco (Zn). O Ca na dieta diminui a absorção desses minerais, provavelmente ao competir com outros cátions pela absorção (Song et al., 2016) e ligar-se ao P, formando complexos que não são absorvíveis por animais monogástricos (Andrews et al., 1973; Cowey & Sargent, 1979). Em peixes, demonstrou-se que o Ca na dieta diminui a absorção de P. Nakamura observou uma correlação linear negativa entre a absorção de P e o teor de Ca na ração em carpas (Nakamura, 1982). Este efeito negativo do Ca na dieta, que afeta o crescimento e a eficiência alimentar, também foi observado noutras espécies, incluindo a truta arco-íris (Porn-Ngam et al., 1993), a enguia japonesa (Nose e Arai, 1979), o peixe-gato (Gatlin e Phillips, 1989) e o salmão real (Richardson et al., 1985).

No camarão-branco, o estudo da Phosphea mostra claramente o efeito negativo do Ca na dieta sobre a digestibilidade do P (Coelho et al., 2024). De fato, a adição de carbonato de cálcio (CaCO3) na ração para camarões contendo fosfato monossódico (MSP), que é um fosfato inorgânico altamente digestível na ração para camarões, reduz significativamente a digestibilidade do P (Figura 5). A adição de CaCO3 na ração diminui a digestibilidade do MSP P em mais de 16%, de mais de 88% para menos de 72%.

Figura 5. Impacto do cálcio na digestibilidade do fósforo no camarão-branco

De acordo com vários estudos, parece essencial limitar a ingestão de Ca na alimentação para manter uma relação Ca/P dependendo da espécie e do estágio de desenvolvimento, a fim de evitar os efeitos antinutricionais do Ca. As relações Ca/P por espécie estão disponíveis na Tabela 1.

Tabela 1: Requisitos da relação Ca/P para espécies de aquicultura

Conclusão

Com base nas evidências científicas disponíveis, a ingestão de cálcio na dieta não é necessária para a maioria das espécies de aquicultura de água doce e marinha. No entanto, algumas espécies podem necessitar de cálcio adicional, incluindo espécies com calcificação significativa das escamas, como a tilápia ou o baiacu.

  • Como o cálcio na dieta afeta a absorção de outros nutrientes, incluindo o fósforo, é preferível limitar a sua ingestão na ração. Portanto, recomenda-se o uso de fontes de P livres de Ca, como MSP ou MAP, que têm maior solubilidade em água e digestibilidade do que fosfatos de cálcio, como DCP e MCP, bem como fontes orgânicas, como farinha de ossos ou farinha de peixe, que contêm P e Ca na forma de fosfato tricálcico, não digerível por peixes e camarões.

  • Como as deficiências de Ca dependem principalmente das concentrações de Ca na água, é preferível aumentar diretamente os níveis de Ca na água utilizando uma fonte de Ca solúvel, como CalseaPowder Advance (CPA), que fornece Ca assimilável, evitando os efeitos antinutricionais do Ca na dieta. Além disso, a suplementação de Ca aumenta a dureza da água e estabiliza o pH, atuando como um tampão, melhorando a qualidade da água para peixes e camarões.